Encontros...
João Quaresma, como vocês podem intuir, nasceu num daqueles quarenta dias que antecederam a Páscoa de 1997. Sua mãe, dona Jussara, beata da Paróquia de São João do Barranquinho, foi inflexível quanto ao nome de seu primogênito. João Quaresma Chamberleim da Silva.
Silva veio de seu avô, seu Pedro, comerciante dos arredores do Capão. Pedro Silva. Dizem uns ai que o Silva veio da selva. Coisa dos portugueses lá do tempo do Cabral, para os quais todos os nativos eram da selva, logo da Silva. É, não é de hoje que as tais fake news serpenteiam por ai. Silva já era sobrenome comum nos tempos do Império, o Romano. E, a bem da verdade, isso pouco interessa.
O que nos interessa é o Chamberleim, cuja grafia errada é culpa de Dorival, escrivão do cartório que na hora de registrar João desconhecia as sutilezas do Francês. Chamberleim. Richard Chamberlain era o nome do ator que interpretava o Padre Ralph na série televisiva Pássaros Feridos. Dona Jussara tinha uma verdadeira paixão no padre de Pássaros Feridos. Bem, não exatamente no padre, mas no ator que o interpretava. Uma paixão quase erótica, que lhe custava muitas aves marias nos dias de confessar.
João Quaresma Chamberleim da Silva, doravante João.
João tinha seus 20 anos quando o avô Pedro veio a óbito. O velório se deu numa dessas empresas especializadas em recepcionar o defunto e seus entes queridos. Zero cinco era a sala na qual o cadáver de seu Pedro repousava e de onde vinha um coro de choros e soluços.
João, que fora buscar um copo de café para tia Gertrudes, cruzou seu olhar com Fernanda.
Fernanda, que se encontrava diante da sala zero três, na qual repousava o cadáver de uma senhora. Fernanda, que ia na direção contrária a de João. Fernanda, que parou diante da sala zero nove. Fernanda, que antes de sumir por entre as pesadas cortinas de veludo vinho que delimitavam o espaço destinado às lamentações e despedidas de entre entes queridos, sorriu um sorriso jocoso.
Um sorriso para João.
João, que levou alguns minutos para perceber que Fernanda havia flertado com ele. João, que antes de se aventurar por entre as cortinas de veludo vinho da sala zero nove, levou o prometido café para tia Gertrudes.
João.
Fernanda.
Sala zero nove.
João, cuja boca foi silenciada pelo dedo indicador de Fernanda antes mesmo que ele pudesse articular a indagação sobre o nome de Fernanda. O mesmo dedo com o qual, durante os longos minutos que João perdeu processando o flete – e levando café para tia Gertrudes –, Fernanda acariciava-se.
Fernanda, que empurrou João para o sofá que normalmente dava conforto às famílias que lá choravam seus defuntos ou defuntas. Fernanda, que com movimentos hábeis, arriou a calça jeans de João e, já sem calcinha, sentou-se sobre João.
Fernanda, que tal qual aquela antiga música do Roberto, cavalgou João.
João, que naquele momento era nada mais que um menino. João, que esqueci-me de dizer, era seminarista no Seminário Diocesano de São Jorge. João, que naquele momento esquecera-se de todas as rezas. João, que Fernanda açoitava com beijos. João, que no auge da cavalgada, gemeu.
Gemeu sem sentir dor.
João, que não sentia mais as pernas. João, que só pode ver Fernanda ajeitando a saia enquanto saía da sala zero nove. Fernanda, que deixou sua calcinha lilás enroscada no pescoço de João. João, cuja boca ainda guardava em si a saliva quente de Fernanda.
Fernanda, que João nunca mais viu.
João, que nove meses depois da cavalgada que lhe bambeou as pernas, não sabia o que dizer ao Reitor do Seminário para explicar aquela calcinha lilás escondida atrás das Confissões de Santo Agostinho…
João, que todos os dias pensava em Fernanda. Fernanda, que sequer se chamava Fernanda.
Ela, cujo nome jamais pode ser perguntado pelo empacotador que ela deixou de pernas bambas no depósito de um supermercado no interior do Vale do Jatobá.
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