Triste história...
Essa história é triste. Você vai rir, mas ela é triste. Eu tinha, sei lá, meus 16 ou 17 anos. Talvez 18. Era sábado à tarde. Duas da tarde, talvez.
Alguém me liga, churras na casa de fulano. Partiu. Importante dizer que a ligação era das antigas, com telefone com fio, daqueles cinza com um disco na frente.
Coloquei minha endumentária tradicional à época: jeans rasgado, camiseta do Metallica e uma jaqueta marrom que soltava os braços e virava um colete salva-vidas. Era julho. 1989. Talvez 1991.
Fui para o ponto de ônibus, esperar o Vila Haro. Nessa época era a linha 15. Não havia terminais de ônibus, todos eles passavam pelo Mercado Municipal, de lá você fazia a baldeação, pagando uma nova passagem. O Vila Haro chegou. Entrei e me sentei no último banco, lá no fundão.
Pedro José Senger, Martins de Oliveira, Avenida São Paulo. Na baixadinha em frente a Santa Casa, o busão dá uma freada brusca, eu espirro e... bom, aqui começa a tragédia. E eu me cago.
Sim, você leu direito. Na confluência de fatores, freada brusca, espirro e algum desarranjo intestinal, no susto, me caguei. Caguei na calça. Ou melhor, na cueca. Demorei a entender o que havia acontecido. Eu nem estava com vontade, mas parece que o esfíncter deu pane.
Ok, vou dar um tempo para você rir.
Lá tô eu, cagado. Não acreditando, mas cagado. Dentro do busão, que nessa altura já estava entrando na Álvaro Soares. A cada balanço da carroceria, eu sentia a massa fecal colada na bunda. Não desejo isso para ninguém.
Uma senhora me olha. Caiu a ficha, deve estar cheirando! Será? Umas gotas de suor escorriam pelas minhas costas e iam de encontro ao cóccix, vulgo cofrinho. Pobres gotas de suor, mal sabem o que iriam encontrar lá por baixo.
O churras! Caralho, eu tô cagado no busão.
O Vila Haro parou no ponto do Mercado, o motorista fazia uma pausa de uns cinco minutos. Dali o busão fazia o caminho de volta ao bairro. Cinco minutos. O motorista fumava um Hollywood enquanto trocava umas ideias com outros motoristas. O cobrador me olhava com curiosidade.
Ah, esqueci de dizer, nessa época ainda havia cobradores. Ele, que na verdade era ela, me olhava como quem se perguntasse: não vai descer? Todo mundo descia no Mercado, mas eu permaneci. O medo de a calça estar toda borrada e de o fedor se espalhar com o deslocamento de ar me fez ficar imóvel.
O churras já era. Os cinco minutos também. Na São Bento subiram quatro ou cinco meninas. Vieram ao fundão. Cacete. Eu cagado, sem poder levantar e as meninas vindo para o fundão. No meio do caminho, o cobrador, que era cobradora, chamou elas, faltava 50 centavos.
Tirei a jaqueta e num movimento digno do Jackie Chan, amarrei a jaqueta na cintura, dei um rodopio e desci no ponto da Rua XV de Novembro. Respirei fundo, mas nada aliviado. O cheiro de bosta veio forte. Ainda no ponto, pude ver a cara de nojo das meninas pelo vidro traseiro do Vila Haro que seguia o seu caminho.
E agora? Sábado, perto das 15h30 e eu todo cagado em frente ao Banespa. Sim, nessa época o Santander se chamava Banespa. Comecei a andar, o jeito era voltar para casa. A cueca parecia dar conta de reter o bolo fecal. Coragem, Edgar.
Da Rua XV de Novembro até o inicio da Avenida São Paulo o caminho era em declive, suave. Ao cruzar a Ponte Francisco Dellosso, cruzei com um senhor, que me olhou com cara de poucos amigos. O vento soprava no sentido centro-bairro, o que significa que o senhor já havia percebido que havia algo de podre nos arredores...
Já próximo à Santa Casa, maldizendo deus e o mundo, avistei um colega e uma colega. Putz grila! Eu lá, cagado, exalando odores que já atraiam a atenção de alguns urubus no céu. Meus colegas logo à frente. Cruzei a avenida, serpenteei pela calçada onde alguns bebuns conversavam em frente ao boteco da esquina. Os bebuns, acredite, cozidos no álcool, sentiram que havia algo de muito podre nos arredores...
Não pude subir a Pedro José Senger direto, segui pela Avenida São Paulo e desviei para a Martins de Oliveira na altura da Igreja Santo Antônio. Em frente ao saudoso Baile do Jeca Peru, uma conhecida vinha em direção oposta. Oi, Edgar. Oi.
A essa altura eu andava com dificuldade, o suor que vertia das costas descia, com alguma resistência no meio do caminho, até o meio das coxas. Oi e nem olhei para trás. Só pensava na vergonha dela ter percebido algo. Mas que dia maldito.
Ao sair da Martins de Oliveira e retornar a Pedro José Senger, uma lufada de vento bateu forte. Pude ouvir os bebuns do bar do Miguelão dizendo: peste!
Só mais três quarteirões, coragem. Abri o portão de casa torcendo para que 50 metros antes, Doña Soledad, a CIA/KGB do bairro, não estivesse de olhos abertos e faro apurado na sacada.
Entrei no chuveiro de calça e tudo.
16h45 horas o telefone toca. O churras comendo solto.
Cadê você?